Fiocruz produz mosquito que não transmite dengue
Clarissa Thomé - O Estado de S. Paulo
24 Setembro 2014 | 10h 00
'Aedes' com bactéria que impede vírus de se multiplicar será liberado na natureza; 1º teste ocorre em Tubiacanga, na zona norte do Rio
RIO - Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vão liberar na natureza mosquitos Aedes aegypti
que não transmitem o vírus da dengue. O primeiro teste será em
Tubiacanga, na Ilha do Governador, na zona norte do Rio de Janeiro,
nesta quarta-feira, 23. É a primeira vez que essa estratégia é testada
no continente americano - já há pesquisas em andamento na Austrália, no
Vietnã e na Indonésia.
Os ovos dos mosquitos foram contaminados com a bactéria Wolbachia,
encontrada em 60% dos insetos, como as drosófilas (pequenas moscas) e
os pernilongos. Essa bactéria atua como uma espécie de vacina para o Aedes aegypti - ela impede que o vírus da dengue se multiplique no organismo do mosquito, que deixa, assim, de transmitir a doença.
A Wolbachia também atua na reprodução dos insetos. Se o
macho contaminado fertilizar ovos de fêmeas que não tenham a bactéria,
esses ovos não darão origem às larvas. Se macho e fêmea estiverem
contaminados, ou se só a fêmea tiver a bactéria, toda a prole carregará a
Wolbachia.
A bactéria é transmitida naturalmente para as gerações seguintes de mosquitos e o método se torna autossustentável: Aedes com Wolbachia
acabam se tornando predominantes na natureza, sem que os pesquisadores
precisem liberar insetos contaminados constantemente. Em localidades da
Austrália, isso aconteceu em 10 semanas, em média.
A pesquisa com a Wolbachia começou na Universidade de
Monash, na Austrália, em 2008. Inicialmente, os cientistas esperavam que
a bactéria reduzisse o tempo de vida do Aedes, mas descobriram que ela também afeta a reprodução e bloqueia a multiplicação do vírus.
"Estamos diante de uma estratégia científica inovadora e segura,
que poderá contribuir para o controle da dengue e para a melhoria da
saúde da população", afirmou o pesquisador da Fiocruz Luciano Moreira,
líder do projeto no Brasil. Ele integrava a equipe de cientistas que fez
as descobertas na Austrália.
A Wolbachia é uma bactéria intracelular, que só pode ser
transmitida de mãe para filho, no processo de reprodução dos mosquitos.
Além disso, é maior que o canal salivar do mosquito. Ou seja, não sai
pela saliva, meio pelo qual o homem é contaminado. Para garantir que não
infecta seres humanos e animais domésticos, durante cinco anos,
integrantes da equipe, na Austrália, alimentaram uma colônia de
mosquitos com Wolbachia, usando seus próprios braços.
O projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil foi lançado no Rio de
Janeiro, em 2012. Nesses dois anos, os pesquisadores capturaram Aedes aegypti
nos locais que servirão de testes, estudaram essas regiões e criaram os
mosquitos contaminados em laboratório. Depois de lançados em
Tubiacanga, os cientistas poderão avaliar a capacidade dos mosquitos com
a bactéria se estabelecerem no meio ambiente e se reproduzirem com os
mosquitos locais.
Cerca de 10 mil insetos serão liberados semanalmente em Tubiacanga,
por até quatro meses. Para reduzir o incômodo da população, a
Secretaria Municipal de Saúde fez uma campanha para eliminar focos de
criação do mosquito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário