sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Características da resistência anti-helmíntica em bovinos no Brasil


De maneira geral, a resistência a LMs pode ser observada em quase todos os rebanhos avaliados. Algumas características são comuns a quase todos os relatos e permitem traçar um perfil da resistência aos anti-helmínticos no Brasil.
As formulações comerciais de SA e LEV, ainda apresentaram-se eficazes na maioria dos rebanhos avaliados, até mesmo naqueles em que foi relatada resistência à IVM (Soutello et al., 2007; Souza et al., 2008; Cezar et al., 2010; Feliz, 2011). Este efeito pode ser justificado por dois fatores que diferem estes princípios ativos das LMs: menor comercialização e período residual. Formulações anti-helmínticas com tempo de permanência plasmática prolongado permitem o estabelecimento de larvas resistentes, sua reprodução e eliminação de ovos ao ambiente, ao mesmo tempo em que os parasitos susceptíveis são eliminados, acelerando o processo de seleção de parasitos resistentes (Dobson et al., 2006).
Outra característica comum foi o predomínio dos gêneros Cooperia e Haemonchus com resistência a LMs. Porém, os princípios ativos pertencentes a este grupo químico devem ser analisados isoladamente em cada propriedade rural, pois ainda pode ser observada eficácia de determinadas moléculas contra populações de parasitos resistentes. De modo geral, as populações de nematoda resistentes a IVM foram também resistentes à DORA (Rangel et al., 2005; Mello et al., 2006; Cardoso et al., 2008; Cezar et al., 2010; Costa et al., 2011; Feliz, 2011). Por outro lado, algumas populações de parasitos resistentes às avermectinas mostraram-se ainda susceptíveis à MOX (Acuña e Paiva, 2000; Rangel et al., 2005; Soutello et al., 2007; Feliz, 2011; Almeida, 2011). Embora pertençam ao mesmo grupo químico, diferenças na estrutura química das moléculas de IVM e MOX podem justificar as diferenças na susceptibilidade dos parasitos. Ardelli et al. (2009) demonstraram importantes diferenças quantitativas e qualitativas na resposta de Caenorhabditis elegans a IVM e MOX, indicando diferenças no comportamento de L3 expostas às mesmas concentrações destas moléculas na indução da expressão de genes que codificam subunidades do canal de cloro ativados por glutamato (GluCl), o princiapl receptor das LMs, e no efeito destas moléculas em estirpes de subunidade GluCl knockout desse nematoda. Além destas diferenças no local de ação, a glicoproteína-P, que está relacionada com o mecanismo de resistência de nematodas a LMs (Xu et al., 1998), tem afinidade mais baixa à MOX do que à IVM (Lespine et al, 2007), além de haver número maior de proteínas capazes de remover IVM do que MOX (Roulet e Prichard, 2006).
No Brasil, uma das medidas adotadas pela indústria farmacêutica foi o aumento da concentração dos endectocidas, medida que tem sido discutida pela comunidade científica porque altas concentrações podem resultar em maior pressão de seleção de parasitas resistentes, uma vez que poderia matar todos os homozigotos susceptíveis e/ou todos heterozigotos (Smith et al. 1999). Os resultados obtidos em alguns experimentos demonstram que uma vez estabelecida a resistência a um princípio ativo, o aumento da dose administrada pode não resultar em aumento de eficácia (Borges et al, 2005; Cezar et al., 2010; Costa et al., 2011).
A frequência de tratamentos anti-helmínticos para controle da verminose bovina parece seguir um padrão comum em muitas propriedades rurais brasileiras. Soutello et al. (2007) relataram as seguintes frequências (%) do número de tratamentos anuais: um (4%), dois (56%), três (32%) e quatro (8%), em um total de 25 propriedades avaliadas. A maioria dos tratamentos ocorreu em maio e novembro, época das vacinações obrigatórias contra a Febre Aftosa. Portanto, a frequência de tratamentos não é tão elevada a ponto de justificar a grave situação de resistência a ivermectina observada neste estudo.
A resistência aos anti-helmínticos tornou-se um desafio a mais para a comunidade científica brasileira, que a curto e médio prazo precisa resolver duas importantes questões: recomendações práticas e confiáveis de medidas que retardem o processo de seleção da resistência e metodologias confiáveis e aplicáveis em larga escala para o diagnóstico precoce da resistência. O tratamento seletivo, amplamente recomendado para pequenos ruminantes (van Wyk et al., 2006) e cujo objetivo é manter a população em refugia, ainda não pode ser empregado em criações de bovinos nas condições brasileiras. O outro desafio é o desenvolvimento de métodos com maior acurácia, praticidade e sensibilidade para o diagnóstico da resistência. A maioria dos trabalhos realizados no Brasil empregou o FECRT, que apresenta sérias limitações. Feliz (2011) não conseguiu empregar esta metodologia em três propriedades rurais, pois não havia número suficiente de animais com contagens de OPG satisfatórias. O mesmo problema foi observado nos trabalhos de Mello et al. (2006) e Soutello et al. (2007), nos quais ficou nítida a limitação do FECRT em bovinos, destacando-se o reduzido número de animais por grupo e/ou baixas médias de OPG antes do tratamento. Outro problema desta técnica é a reduzida acurácia, pois os percentuais de eficácia podem ser superestimados pelo FECRT, quando comparado ao teste anti-helmíntico controlado (Condi et al., 2009).
Uma vez gerados os conhecimentos e tecnologias necessários, o último, e talvez maior, desafio será a utilização destas recomendações a campo. Dois estudos em que foram aplicados questionários aos produtores rurais ilustram esta situação. Souza et al. (2008) observaram que os principais critérios para a escolha do anti-helmíntico são o preço, propaganda e recomendação de vendedores. Delgado et al. (2009) realizaram entrevistas em 1.304 propriedades rurais em Minas gerais e concluíram que as medidas de controle de verminose bovina utilizadas pelos proprietários não seguem as recomendações técnicas verminoses recomendadas.

Conclusões
Pode-se considerar que o problema da verminose em bovinos está mais grave do que décadas atrás, pois observa-se o aumento da intensidade parasitária por espécies mais patogênicas, como H. placei, e a redução da susceptibilidade aos anti-helmínticos. A resistência de Cooperia spp. e Haemonchus spp. a IVM e DORA está presente em quase todos rebanhos bovinos brasileiros, enquanto LEV, SA e MOX ainda podem apresentar elevados percentuais de eficácia.

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